Entre Mitos e Direitos

Rui Rodrigues Aguiar
Gestor de Programas, UNICEF para CE, RN e PI

O Ceará ainda guarda resquícios da idade média preservados em sua cultura Infelizmente não estamos falando do patrimônio histórico, mas de práticas relacionadas à organização do trabalho, à distribuição da terra e às relações sociais. Um destes persistentes resquícios é a exploração do trabalho infantil na zonal rural, nas casas e nos centros urbanos do estado. Sob o imaginário de que o trabalho infantil  dignifica, enobrece e prepara a criança para as responsabilidades da vida adulta, muitos equívocos tem sido cometidos e perpetuados ainda neste novo milênio. Tal imaginário sempre vem acompanhado de exemplos de pessoas virtuosas que relembram a importância do trabalho precoce em suas suas trajetórias pessoais. Políticos, empresários e diversos trabalhadores bem sucedidos atribuem o seu sucesso profissional ao fato de terem começado a trabalhar cedo.
Aqui temos um importante problema a ser considerado: a distinção entre aquilo que é o trabalho infantil como princípio educativo e aquilo que é a exploração do trabalho infantil. Como princípio educativo, o trabalho infantil é reconhecido e estimulado como importante para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, que precisam aprender a lidar com as diversas situações do cotidiano, ter responsabilidades e deveres nas atividades familiares e receberem orientação adequada para a construção de uma trajetória profissional.
A exploração do trabalho infantil, por outro lado, é um dos crimes mais perversos que se pode cometer contra seres humanos. Em uma sociedade desigual, injusta e violenta, a manutenção da exploração do trabalho de crianças e adolescentes aprofunda as diferenças entre as pessoas, adia os sonhos de desenvolvimento e menospreza o potencial de milhares de jovens que ao anteciparem as responsabilidades da vida adulta têm negado o direito de viver plenamente os anos em que deveriam desenvolver todos as suas dimensões intelectuais, emocionais e físicas.
É preciso, portanto, começar a superar os mitos que envolvem o trabalho infantil. Um deles é de que a redução da exploração do trabalho infantil depende da redução da pobreza - ao contrário, a redução da pobreza depende enormemente do fim da exploração do trabalho infantil; para romper o ciclo geracional da pobreza é preciso que as crianças tenham oportunidades de concluir a educação básica e ingressar legalmente e na idade certa no mercado de trabalho quando adolescentes. Por outro lado, é preciso enfrentar temas polêmicos como a participação de crianças em atividades artístiticas,  culturais e esportivas onde a precocidade é vista como um valor, mas onde imperam também uma série de abusos e violações de direitos que vão da privação intelectual à manipulação econômica, não muito distintas de outras formas de exploração do trabalho infantil.
É preciso construir um outro imaginário social, que supere os mitos, promova os direitos humanos, valorize a experiência escolar da criança, estimule o seu desenvolvimento integral e abra oportunidades para a aprendizagem de habilidades e competências que permitam a todos os adolescentes ingressarem de maneira legal e na idade certa no mercado de trabalho. Como trabalhadores ou como empreendedores.
Nestes vinte anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, políticos, empresários e trabalhadores que um dia foram trabalhadores infantis  têm a oportunidade de ajudar a sociedade brasileira a superar os mitos e promover novos direitos humanos, em um um mundo também novo e desafiante. Basta que ajudem a promover a idéia de que, se o  conhecimento e o trabalho são igualmente importantes,  na infância deve-se privilegiar o conhecimento e o desenvolvimento das habilidades e valores que farão do trabalho uma atividade realmente digna.
Célia Maria Freitas Guedes Amorim
Articuladora do Selo Unicef

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